PURGATÓRIO DA CARNE CARENTE

Minhas mãos

cavam poços de ausência

onde o meu tacto é um eco

de unhas mascadas por ânsia.

Minha voz

é uma alcateia de lobos,

ciosamente à solta pela gruta

das palavras uivantes na lápide

dos meus sentimentos.

Meus olhos são declives

de um buraco de solidão enorme

onde as visões que me interpretam a vida

são marchas fúnebres de Romeu e Julieta.

Meu olhar

é um cume de fogo

que apaga todas as estrelas

do céu com lodos de ódio.

O infinito

outrora de anjos

levando-me pela mão,

é agora um véu de luto cor-de-rosa

invertido no arco-íris aquando choro.

O mar

é mofo de poesia

que enviúva as musas

que me vestem com tons cadavéricos

num caixão de utopias bígamas.

Meu grito

é o pesar de um amar

suspenso num abismo de rosas murchas

por onde não caio nem voo.

Meu pensamento

é um vazio gigantesco

onde do amor me esqueço em versos,

fingidos de dor tingida sobre o frio dos lençóis.

Sinto-me

ser de pedra dura

onde o desejo é um inverno

rudemente nascido de ervas daninhas

que me atam ao inferno da angústia.

Sou poema

de paixão em gelo

exposto a um sol de lágrimas silvestres

que me afogam os lábios em framboesa azeda.

Meus beijos

sabem-me a saudade

do quanto não me amei

num calor arrependido do amor que não fiz.

Meu corpo

é um templo de ais abstémicos

onde cada lufada de ar é um serão masturbado

por penumbras que me galopam o sangue.

Olho-me ao espelho

rosto deserto onde cada face

é uma alucinação de tempo árido

evaporando-me o querer do éden do peito.

Calo-me

para me escutar

a cada porta entreaberta

ao fundo do corredor da alma

num purgatório da carne carente.